segunda-feira, 6 de abril de 2009

BOMBA: Rebeca Gusmão pode ficar com a vaga de Julio Baptista na Copa da África do Sul

por Tiago Marconi



Antes de começar a matéria, preciso fazer um comentário sobre o período que andei afastado do Retranca. Após revelar as verdadeiras origens do futebol, passei a ser perseguido pelos velhinhos da FIFA, que conseguiram me mandar para um gulag próximo a Guantánamo, onde fiquei tostando ao sol tropical, com apenas o Mar do Caribe para me refrescar. Foram meses de alimentação à base de peixe, frutos do mar e frutas, comunicando-me com as nativas apenas com a expressão dos corpos. E que corpos! Mas fiquei com saudades da arquibancada do Pacaembu e liguei para o Zé Blatter para agradecer e dizer que eles tinham comprado meu silêncio... Cá entre nós, estou louco para irritar a Board de novo e ver se dessa vez me mandam para o Pacífico Sul.
De volta à babilônia paulistana, fui tomar uma na rua Augusta e encontrei num boteco pra lá de suspeito um amigo de um amigo, o Atchim, ex-colega do técnico da Seleção. Papo vai, papo vem, passou um cara com rosto de mulher bonita e o cumprimentou de longe enquanto seguia subindo a rua. Fiz algum comentário espantado e discretamente machista e então Atchim me revelou a notícia exclusiva: “Acho que ela vai para a Copa”.

Diante de minha evidente incompreensão, Atchim continuou: “Não reconhece, cara? É a Rebeca Gusmão”. O anão me explicou então que durante meu exílio a nadadora passou a integrar a equipe de futebol feminino brasiliense do Ascoop, mas que por conta de seu alto nível de testosterona vinha sendo sondada por equipes masculinas. Revelou ainda que, por ser patrocinada pela Nike, o agora jogador Rebeca tinha muito bom trânsito no meio futebolístico, inclusive internacional, e já tinha despertado a curiosidade de Dunga, “dos sete, o anão menos preparado para dirigir a Seleção Brasileira”, nas palavras de Atchim.

Depois de mais um espirro, o alérgico homenzinho disse conversar regularmente com o técnico da Seleção, “apesar de grosseiro, um bom sujeito”, e que esse lhe revelou que o porte físico avantajado e pouca intimidade com a bola de Rebeca Gusmão lhe credenciavam a disputar um lugar no time, faltando apenas que ele atuasse em alguma equipe obscura de uma liga européia pouco importante. Contou ainda que Dunga está decidido a levar algum grandalhão para o meio-campo e que a boa fase de Júlio Baptista na Roma diminui muito as chances de sua convocação. “Continuo chamando por gratidão e falta de opção, mas se aparecer alguém maior e mais grosso, certamente entrará na disputa pela vaga”, teria dito o eterno arranca-tocos. Comentou ainda que durante sua passagem pelo Hamburgo, o ex-volante teria se encantado por uma nadadora da antiga Alemanha Oriental que lhe derrotara num braço-de-ferro e costumava ironizar o futebol brasileiro, cheio de firulas inúteis.



Perguntei a Atchim se ele tinha o telefone de Rebeca, afinal era importante uma declaração dela a respeito. Ele disse que não, mas que ela provavelmente estaria numa festa ali na região. Tomamos mais algumas e convenci o sujeito a me levar na tal festa, numa casa noturna. O ambiente tinha rock dos anos 80 (e eu sem meus protetores auriculares), cabelos repicados, roupas pretas, minas com cara de mano, manos com cara de mina e cerveja cara.

Encontrei Rebeca numa alegre rodinha, junto a outro famoso nadador, maior campeão olímpico da história, que parecia ter conjuntivite. Rebeca declarou que seu pensamento no momento é fazer um bom trabalho no Ascoop mas que todo jogador sonha com uma convocação e acrescentou que seleção é conseqüência de um bom desempenho no clube. Depois que Michael lhe passou um cigarro, mais descontraída(o), afirmou que está tecnicamente muito acima de Gilberto Silva, cuja má fase empolga o treinador da Seleção, e zombou do porte físico de Josué. Depois foi para a pista de dança, onde agarrou uma mocinha (seria um mocinho?) e se estranhou com um punk, sem chegar às vias de fato. Ainda no esforço de reportagem, continuei no inferninho até de manhã, quando Atchim disse que ia para casa e o convenci a me levar para lá.

Chegando na Floresta Encantada, logo avistei Dunga brincando de carrinho com algumas crianças e fiquei observando. A brincadeira acabou quando uma das crianças teve uma perna quebrada pelo ex-volante (que comemorou muito por ter ganho a brincadeira gritando “É tetraaaa, é tetraaaa!”). Perguntado sobre Rebeca Gusmão, demonstrou entusiasmo: “É muito forte e tem uma carreira discutível. Estou observando, sim. Mas no Ascoop fica difícil, parece que há um interesse do Askov, do Azerbaijão, o que certamente daria mais visibilidade a ela”. Revelou ainda que o empresário do goleiro Doni estava interesssado em levar Rebeca para o Manchester United ou para o Real Madrid. Por fim, sorriu enigmático e perguntou: “Você duvida?”.

Um frio me subiu pela espinha e resolvi que era hora de ir embora. No mesmo momento, Atchim saiu da casa de Branca de Neve agitado e perguntando se tinha neve da Branca nas narinas. Não entendi e preferi não insistir. Ele falou que tinha negócios a tratar e voltamos para a rua Augusta.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Bambi, o Viril

(ou Crônica de Uma Tradição a Inventar)

Hoje achei por bem inventar uma tradição. Tradições são mesmo invenções, ora; tradições serão mesmo inventadas, ora; inventemo-las nós mesmos essa vez antes que alguém exija os créditos por nossos papos de bar. E não pense se tratar de brincadeira: o que virá a seguir é uma penada imparcial da asa direita do anjo da história.

Desceu esse ímpeto inventivo porque uma coluna recente do renomado jornalista Fernando Gallo, publicada no blog de Juca Kfouri e intitulada “Bambis, ora pois!”, faz aguerrida defesa – o autor deve ser zagueiro, como nós – da adoção do apelido "bambi" pela torcida do São Paulo Futebol Clube. Escreveu Gallo:

“Está na hora de nós, são-paulinos de fina estirpe, tricolores de quatro costados, assumirmo-nos: somos bambis, sim senhor! Por que não?”

Com a legitimidade que só um são-paulino fanático teria na matéria, Gallo justifica sua opinião com argumentos cativantes: os palmeirenses não adotaram o porco, outrora uma ofensa? O Flamengo não virou urubu? Não é o São Paulo um time moderno, que quer construir “um espaço para o qual convirjam pessoas de toda sorte, independentemente de suas preferências sexuais?”. Aceitemos o bambi, ora, pois, e façamos “um bem danado para a imagem e os cofres do clube”.

De imediato achei interessante ouvir o trote do devir da história passando a cavalo, não por qualquer espírito de torcedor rival mas especialmente pela satisfação que senti em ver uma torcida grande ao mesmo tempo se reconhecendo na outra e vislumbrando nessa possibilidade um elemento de sua própria afirmação. Saudável! Aceitando a alcunha de bambi, o são-paulino seria ainda mais são-paulino: se imporia pela pitada de indiferença que acrescentaria ao tratamento já indiferente conferido aos rivais, mas, ainda mais belo, docemente reproduziria o passado deles, deste modo valorizando-o.

Pois mudei de opinião não muito depois. Mesmo que Gallo tenha mostrado sensibilidade elogiável ao defender uma opinião baseada em valores maiores que o chauvinismo futebolístico, pensei, faltou a ele uma visão mais acurada a respeito da natureza dessa aceitação.

A verdade é que o espírito subjacente à adoção do simpático cervídeo pelo são-paulinato não será a aceitação da diversidade nem o vislumbre de uma astuta oportunidade de negócios, elementos centrais no já notório chamado do jornalista a uma consicência mais elevada. Será antes disso um reflexo da seguinte luz: bambi sinônimo de homossexual é coisa de corinthiano ignorante, coisa de Vampeta de Nazaré, coisa de nego que se apresenta bêbado em recepção oficial, coisa de povão – o veado é um animal viril! O mundo inteiro sabe disso, menos a ralé!


Sabemos graças ao trabalho de historiadores da tarimba de um Eric Hobsbawm (torcedor do Arsenal FC de Londres) que o fenômeno da invenção das tradições é um grande lugar-comum da história. Há dois tipos principais: as tradições políticas, instrumento de legitimação de estruturas políticas face a cenários em rápida transformação – hinos, símbolos, cerimônias, feriados, mitos, mártires, tudo aquilo que possa usar “elementos irracionais” para contribuir para a manutenção da ordem social; e as tradições sociais, que aparecem como veículos de afirmação dos grupos mais diversos na forma de critérios de identificação, distinção e pertencimento – o boné da classe proletária, o próprio significado social do futebol, as tradições acadêmicas, a etiqueta burguesa, símbolos, mitos, mártires, enfim, diferentes elementos de diferentes classes em diferentes tempos e lugares.

Thank you dearly, Hobs. Agora me respondam: não é de se esperar que a elite que ainda ontem inventou a tradição do bandeirantismo para atribuir heroísmo ao incursor bárbaro de territórios hostis, que há pouco inventou toda uma simbologia oficial estilo Non ducor duco (“não sou conduzido, conduzo”, lema da cidade de São Paulo) para valorizar iniciativa onde havia proletarismo industrial, que agorinha mesmo inventou a imagem da locomotiva do Brasil onde havia mera desigualdade regional, não haverá de inventar uma história de virilidade onde há... o Bambi?

Toda tradição - inventada - traz dentro de si um fundamento, uma base, uma idéia central. Nesse caso, o ponto que ainda precisa de revelação é o seguinte: o Bambi é valente! Ele é macho-alfa, é brigador, é difícil de caçar, é reprodutor, é durão. É o veado da cultura ocidental.

Pra começar, o Bambi (como o elitista São Paulo) tem sangue azul – é filho do Príncipe da Floresta, um líder em seu ambiente, e nasceu com o mesmo destino pela frente. No longa de animação original da Disney de 1942, baseado em romance alemão de 1923, além de lidar ainda jovem com a trágica morte precoce da mãe e de defender sua parceira de um macho rival o empurrando penhasco abaixo, ele enfrenta valentemente uma matilha de cães de caça, protegendo sua amada dos caçadores, e empreende uma fuga heróica depois de levar um belo de um balaço. Não bastasse, Bambi termina o filme cumprindo a hercúlea missão de garantir a sobrevivência da espécie, com sua veadinha dando à luz a um par de filhotes seus apesar de todas as dificuldades. Fato: de homossexual, o Bambi original não tem nada – muito pelo contrário.

O personagem já não fôra assim elaborado por acaso. Por toda a Europa e América do Norte, os veados e outros cervídeos aparentados como a corça são símbolos inequívocos de virilidade e esperteza. Capturar uma corça já tinha sido um dos doze trabalhos de Hércules, cabe lembrar, e a mitologia celta antiga considerava o cervo um animal sobrenatural. Concretamente, o que tornou os elegantes animais galhados objetos de valorização cultural são seu comportamento agressivo na época do acasalamento, sua rapidez inteligente e elusiva diante dos predadores e os desafios que estas características sempre impuseram aos caçadores.

No Brasil, e só no Brasil, temos o veado como símbolo de homossexualidade. Menos que meia verdade. Selvagens, os veados são animais territoriais e passam a maior parte do tempo em grupos do mesmo sexo - coisa de marmanjo. Quando as fêmeas entram no cio, os machos se enfrentam em batalhas sangrentas das quais emerge apenas um vencedor, a quem caberá a tarefa de passar os genes adiante junto às fêmeas até que a fadiga o impeça de continuar. Sabe-se inclusive que um veado nessa situação pode chegar a sofrer sintomas graves de inanição, pois seu ímpeto por brigar e copular é tão grande que ele se esquece de comer. A “fama de viado” do veado – perdoem-me, politicamente corretos – talvez exista por causa do comportamento dos machos perdedores (mas é problema deles e ninguém tem nada com isso), ou talvez por causa dos antigos Cigarros Veado, que por ter filtro branco eram exclusivos das mulheres, ou ainda por causa dos homossexuais da Praça da República, no Rio, que quando eram perseguidos pela polícia na década de 1920 "corriam como veados", segundo consta. Mas não importa: o veado "tem ampla aceitação na Europa e nos Estados Unidos", como diria a Susanita da Mafalda do Quino, e isso o qualifica a ser um digno símbolo são-paulino – coisa que, mundialmente, ele já é.

Já sendo, que seja. Os elementos da cultura ocidental que registram a ampla admiração do veado pelo homem são os mais variados. A heráldica européia (heráldica é a arte dos escudos de armas da nobreza) tem dezenas de brasões ornados por veados e por galhadas, como é o caso da cidade alemã de Dotternhausen, da suíça Thierachern (foto) e da francesa Raon aux Bois, entre inúmeros outros exemplos.

Achou meio coisa de franga? As garrafas de Jägermeister, bebida alcoólica alemã localmente conhecida como “cola-de-fígado” e do tipo que deve ser “consumida por lenhadores da Floresta Negra cumprindo pena de trabalhos forçados”, como disse meu irmão Mario, são ornadas com um imponente veado.

“Mas o teor alcoólico do Jagermeister é pequeno”, dirão os críticos, apenas 35%, “ainda é meio bambi”. Pois há um scotch single malt (portanto, bebida de macho, como disse novamente o Marinho), o Glenfiddich, que também leva um veado no rótulo. Glenfiddich, aliás, significa “Vale dos Veados”, o que nos faz perceber que, antes de um estigma social, o animal é inspiração da toponímia de inúmeros países, havendo lugares chamados Ilha dos Veados, Vale dos Veados, Rio dos Veados, Parque dos Veados ou Lago dos Veados, por exemplo, nas mais variadas línguas.

No esporte os exemplos são igualmente comuns. O Milwaukee Bucks, da liga americana de basquete, tem como símbolo um veado – buck é um veado macho adulto. O Kashima Antlers, da liga japonesa de futebol, também – antlers são as galhadas que os caçadores gostam de colecionar como troféus. Há exemplos em outras searas, também: a transnacional de equipamentos agrícolas John Deere traz um veadinho saltitante em seu logo corporativo, talvez por trocadilho com o nome (deer é a denominação popular da família dos cervídeos, em inglês); a Browning, fabricante de armas e artigos para caça, estilizou o veado em sua valiosa marca que simboliza a coragem do caçador.

Preparem portanto a imprensa da historiografia oficial que a história está prestes a se repetir como farsa. O bambi viril será registrado para a posteridade como nobre virtude de um clube de fidalgos, será celebrado nas ruas pela plebe ignara, será gravado em livros relatando conquistas e em bandeiras de torcidas, será cantado pela claque com fervor. Questão de tempo.

E do velho Vamp só o povo vai lembrar.

* * *

Não pude evitar pensar meio metro de tempo em como seria divertido se o Palmeiras tivesse o mesmo ímpeto inventor de tradições das velhas elites paulistanas:

“Os porcos têm orgasmos de meia hora!”;
“Acumulam proteína eficientemente!”;
“São inteligentíssimos!”;
“Na Itália são usados para encontrar trufas!”...

* * *

Agradecimentos fraternos ao Mario, ele vai saber o motivo.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Torcedor é Isso

* Por Hermano Penna

Para quem me julga só vascaíno, sapeco na cara e provo. Não esperei, como certos que conheço, amigos almofadinhas para torcer. Com essa filosofia foi que me incorporei ao bando de Boca de Sapo, na gloriosa jornada do dia 13 de outubro de 1977.

E foi com Boca e sua turma que atravessei a noite e afrontamos a madrugada e o início do dia seguinte. Fomos os últimos no quadrilátero que vai de Pinheiros até a Mooca. Enfrentamos a polícia, paus e pedras de sãopaulinos, santistas e palmeirenses. Queimamos bandeiras inimigas. Nossa Jihad não encontrou forças para ser detida. Caveira, o ordenança de Boca de Sapo, bom de cachaça e de porrada, segurava todas. Caveira é aquele que está de cabeça pra baixo, numa das fotos.

Encontrei a distinta turma no Largo da Batata, no bar da Gia Quente, do finado Rodarte. O começo não foi fácil. Afinal, eu só tinha tomado umas quatro lapadas de Biter Russo, uns cinco Rabos de Galo, uma tantas cervejas, e umas oito Branquinhas ditas lá das bandas de Piracicaba.Tava pronto para enfrentar qualquer exército inimigo e comemorar a vitória do Timão.

Mas, Boca de Sapo no começo ficou arredio. Branco no samba, sabe como é. Mas, Raimundo Mãe do Cão foi com minha cara, alíás não sei se com minha cara ou com meu bolso farto e generoso. O fato é que as desconfianças não resistiram por muito tempo e logo todos nós estávamos a subir a Teodoro Sampaio. Uma gloriosa campanha. Inesquecível epopéia de ardor pelo Timão, porradas e malvadezas.

Logo de cara fechamos o Bar de Manuel Chupeta, aquele da Teodoro com Lacerda Franco, o infeliz era torcedor da Ponte Preta. Só ameaçamos quebrar o balcão. Logo depois, perseguimos uns quatro sãopaulinos e insultamos as mães de uns palmeirenses. Vou logo ao inventário: quarenta e duas mães xingadas. Vinte sãopaulinos escorraçados. Cinco cachorros apedrejados, dois com graves lesões nos rabos. Três gatos gravemente feridos e mais dois com leves escoriações. Três bares fechados. Algumas lâmpadas quebradas.


Vinte e duas bandeiras de times inimigos queimadas. Agressões variadas á lixeiras bueiros e barracas. Cento e duas cervejas tomadas. Oito garrafas de cachaça. Cinco de vodka e três de cinzano. Muita cantoria e confraternização. Curtimos a festa da Paulista e ainda subimos e descemos a Rebouças umas quatro vezes, a Paulista umas três, isso depois de todo mundo ter ido embora. Tudo era alegria, até aparecer uma viatura da polícia e eu me escafeder pela Peixoto Gomide.

Por último, vejam o despacho para abrir os caminhos do Timão, realizado no domingo anterior ao grande jogo, dedicado ao Senhor das Sete Encruzilhadas e feito na Praia Grande, por mim e o companheiro Inácio Cú Fino. Pois é, se alguém ainda repetir a blasfêmia de que não sou corintiano, vou chamar Boca de Sapo e sua turma pra uma certa conversinha, tenho dito.

* O precioso relato, escrito pelo amigo Hermano Penna, é a prova que de louco, todo mundo tem um pouco.