terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Tecnologia argentina para exportación

A hincha do Boca Juniors está para as torcidas de futebol como Harvard para o mundo acadêmico, afirmou em 2006 o chefe da principal barra boquense. E com isso a Argentina, que já viveu tempos melhores, está criando divisas em dólares com um novo serviço especializado voltado ao mercado externo: consultoria para transferência de tecnologia organizacional para torcidas de futebol.

Isso inclui cantos, táticas de brigas, métodos de extorsão de dirigentes e jogadores, recomendações para superfaturamento do preço de ingressos e dicas para a cobrança de propinas de ambulantes das proximidades dos estádios.

¿Bueno, eh?

Segundo reportagem do diário bonaerense Olé, os contratantes mais bem sucedidos até então tinham sido do Pumas, do Tigres e do América, no México, e das equipes de Cali, na Colômbia. Sabe-se também dos efeitos dos trabalhos dos argentinos em outros países da América Central – todos estes lugares que, invariavelmente, observaram um surto de crescimento no número e na brutalidade de episódios de violência no futebol nos últimos anos, em que o entusiasta do esporte vem perdendo lugar para o fanático sectarista nas arquibancadas.

Mas não é só a consultoria in-house que está gerando receitas: os hinchas-expert do Boca têm recebido em Buenos Aires interessados de ultras do mundo inteiro. A Espanha desponta como o melhor mercado mas todo o mundo hispanófono se interessa, do Chile ao México.

Interessante observar o lado mundanamente feio de algo cercado de tanta mística e valor cultural. Mesmo assim a insípida descrição do business case, embora adequada, é insuficiente.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano disse bonito e as torcidas do Flamengo e do Corinthians (digamos, do Boca e do River) inteiras sabem que não é correto atribuir a violência ao futebol; ela não vem do futebol, aparece no futebol. Na Grande Buenos Aires não é diferente e nestes países e lugares receptores de cultura por dizer tradicional de futebol também não. Novidade é o movimento no sentido da globalização do saber acumulado cultural local, agora transformado em pacote e mercantilizado ao sabor do freguês, nesse fenômeno que vem despontando a partir de várias torcidas transplatinas.

Daí que não cabe atribuir o selo “hecho en Argentina” ao surto recente de pancadaria no futebol latino-americano tanto quanto reconhecer que tudo o que ganhasse espaço em termos de cultura futebolística no mundo hispanófono – e mesmo fora dele – teria um dedo do modo de ser argentino. Esse torcer é a quintessência da experiência do entusiasta, é o apoio à equipe na sua forma mais dramaticamente eficaz. E o Boca é a corporificação máxima deste espírito, materializado no ar que paira La Boca, em sua disposição urbana e na arquitetura do estádio, e transformado em som e vibração, em pressão tangível, pela hinchada que canta bem e sem parar.

A verdade é que o Boca Juniors e o futebol argentino exercem uma influência muito maior no jeito de torcer mundo afora do que aquela sistematizada por seus mestres remunerados – papel que já coube ao Brasil, um assunto a que voltaremos futuramente. Buenos Aires reuniu condições propícias para o florescimento de uma rica cultura de torcidas organizadas, das quais a mais importante possivelmente é o fato de o conurbado bonaerense ter a maior “densidade futebolístico-espacial” do mundo. O papel da familiaridade lingüística com o restante da América Latina nesse processo também não pode ser desprezado.

Verdade é que o próprio Brasil sente essa energia. A geral do Grêmio, a mais castelhana das torcidas brasileiras, é a banda louca que corre os torcedores do Internacional, bebe vinho e fica borracha, canta músicas diretamente traduzidas das barras do boca como os típicos “dale-ôs” do original dale bo do Boca, e comemora gols com avalanchas. Quem já viu essa torcida sabe que o Grêmio tem a maior vantagem de jogar em casa do Brasil. Pressão pura.

Os “dale-ôs”, diga-se, estão cada vez mais comuns em cada vez mais torcidas pelo país, incluindo pelo menos a do Corinthians, argentinófila desde Carlitos.

Indepentemente da (má) influência que os líderes barrabravas argentinos venham exercendo mundo afora, é certo que se no mundo ideal os goleiros são alemães, os zagueiros italianos e os meio-campistas e atacantes brasileiros, no mundo ideal a torcida – como o churrasco após o jogo – vem da Argentina.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

O Torneio dos Pênaltis de Uauaçu

Já viajei bastante por esse mundaréu chamado Brasil e sempre fui bem acolhido.

Nos cantos soturnos do mato fechado, pitei fumo de corda e bebi das fontes mais sábias, ouvindo da memória do povo as bonitas histórias de nossa gente.

Entre umas e outras, proseei com figuras altivas das reentrâncias maranhenses, dos pampas sulinos, dos igapós isolados do Rio Araguaia e das terras secas e árduas do Raso da Catarina - e as ouvi, em alto e bom tom, narrar jogadas tão belas e verossímeis quanto o famoso gol de Pelé na Rua Javari.

Mas de todas as estreitas arestas e roçados que minhas pernas alcançaram, foi apenas na Vila de Uauaçu que eu vi o povo se reunir às centenas só para bater pênalti.

Sim, pênalti.

Às margens do longínquo lago Uauaçu, no caminho pros confins da Amazônia, faça chuva ou faça sol, duas vezes por ano esse povoado, que sobrevive da pesca e da coleta de castanha, assiste ao evento mais aguardado da região: o Torneio dos Pênaltis de Uauaçu, uma pérola do folclore futebolístico brasileiro que reúne mais de 60 duplas num empolgante mata-mata, para decidir, em um dia inteiro, quem são os reis do pênalti no Baixo Purus.

Bom, mas antes que considere este relato uma simples história de pescador, deixe-me esclarecê-lo de que estive em Uauaçu em minha viagem pelo Rio Purus, tortuoso afluente do Amazonas, descrito com maestria pelo nosso grande cientista-escritor Euclides da Cunha. E como de habitual, uma vez lá resolvi me inteirar sobre a tradicional pelada de fim de semana, que acontece domingo, invariavelmente pelo Brasil inteiro, no campinho local - não há cidade ou vila que não tenha o seu -, reunindo os craques das redondezas.

Cervejinha, dominó (o verdadeiro, que dá pontos nos múltiplos de cinco), algumas doses de cachaça com jambo e logo fui convidado para participar de um torneio, justamente naquele final de semana. Papo vai, papo vem e, já ligeiramente alto, descobri, porém, que não haveria nenhum jogo daqueles de transpirar sangue (já tão cobiçado pelos morcegos vampiros do Uauaçu), mas sim uma gigantesca eliminatória em que duplas formadas por goleiro e batedor se enfrentavam com três pênaltis para cada lado, até a grande final.

Seria uma simples diversão não fosse realmente uma competição séria, com gente de todos os lados disputando um único e cobiçado troféu: a maior tartaruga que fosse encontrada entre os retorcidos igarapés da mata nos dias que antecediam a festa.

Incrível. No domingo todos os caboclos, índios, mulheres, crianças, velhos, bêbados e sóbrios da região vagavam pelas proximidades do campo, enquanto as duplas discutiam suas estratégias e as apostas eram recolhidas.

Foi quando apareceu diante de mim um índio forte, carregando mais de cinco quilos de ouriços de castanha, falando alto, sem que eu entendesse sequer uma palavra. No entanto, logo soube que não era nenhum rival me intimidando, mas sim Marivaldo, meu parceiro de equipe.

Combinamos que ele seria o goleiro e eu cobraria os pênaltis, formação que logo nos deu a primeira vitória. Foram emocionantes e acirradas disputas entre verdadeiras lendas do pênalti amador, cheias de chutões, macacos velhos daqueles que sabem desde pequeno aonde a onça bebe água, paradinhas e catimbas das mais diversas. E entre mortos e feridos, sobrevivemos até a semifinal. Talvez a sorte tenha me abandonado, talvez os deuses da floresta tivessem outros planos, mas caímos de pé, sob aplausos do público.

Aos vencedores, a tartaruga.

De noite, desfrutando da paz que nos leva e guarda e ao som da irritante banda Calipso, saboreei um gordo pedaço da taça, elegantemente dividida.

Soube também que nenhuma das tentativas do Ibama e Funai (entre outros órgãos governamentais, ong’s e institutos), para discutir o que quer que fosse, recebia representantes de tantos povoados e tribos como o Torneio dos Pênaltis de Uauaçu.

Mais algumas doses de cachaça com jambo e logo estávamos falando até de política; e de que sábio é aquele que, experimentado nos calejos e ternuras da vida, reconhece não haver melhor momento para se discuti-la do que após uma partida de futebol.

Aprender a chutar uma bola é incorporar uma das formas de expressão mais autênticas de nosso povo. Pois nesse humilde gesto, que coloca lado a lado o rico e o pobre, o culto e o bruto, o forte e o fraco, sem que nenhum deles, jamais, se sinta no lugar errado, apreende-se mais do que em cem discursos.

“Eu conto histórias. Histórias que eu vi com esses olhos que a terra há de comer um dia, ou histórias que eu ouvi, no buxixo das curriolas. E juro por essa luz que me ilumina, que conto as histórias sem aumentar um ponto. Se algum talento eu tenho, por desventura, é de ver e ouvir a gente minha” *

* Em memória do saudoso Plínio Marcos, poeta, escritor e amante das pequenas belezas mundanas, tão presentes no dia a dia do povo brasileiro

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Futebol, contracultura e urbanismo ao som de rock’n’roll

Se eu fosse alemão, meu time não seria o vermelho da Baviera.
Eu não torceria pelo alvirrubro de Stuttgart.
Eu detestaria o aurinegro da Renânia e odiaria os alvicelestes de Berlim e de Hamburgo.
Se eu fosse alemão, seria são paulino. Ou melhor, St. Paulianer.

A história do FC St. Pauli, time do bairro portuário e distrito da luz vermelha de Hamburgo onde já moraram os Beatles, é um dos fenômenos sociais recentes mais interessantes do futebol mundial. Impossível não simpatizar.

Esse time é recebido ao campo ao som de AC/DC estendendo bandeirão do Bob Marley e do Che Guevara – coisa rara na Europa –, tem como símbolo informal uma caveira pirata, comemora gol com bate-cabeça ao som de Song 2 do Blur, grita “Amburgo! Amburgo! Vaffanculo!” em bom italiano pra torcida neonazista do arquirival, tem presidente gay – e ninguém tem nada com isso – e só louco na torcida. Mas não loucos de fé cega ao estilo “aqui tem um bando de louco”, violento e sem projeto. Loucos tipo maluco beleza mesmo, gente muito da fina.

Mas não é por causa dessas curiosidades que o St. Pauli e sua torcida se tornaram um ícone da contracultura alemã. É porque conquistaram bravamente seu lugar na história do bairro, da cidade e do país.

A história é interessante. Na década de 80 – para nós brasileiros a década perdida, para o mundo desenvolvido uma década de prosperidade –, o bairro de St. Pauli passou a receber todo tipo de figura em busca de uma vida mais em conta num canto empobrecido de um país rico e caro. Comunistas, anarquistas, esquerdistas, hippies, batedores de cabeça punk e toda sorte de doidões, os novos moradores do distrito, passaram a defender as cores do time local, embora sem grande fervor. Foi quando a direção do clube propôs uma espécie de gentrificação do bairro – aquele tipo de intervenção urbanística que consiste em expulsar os pobres e investir nas redondezas. Foram propostos um novo estádio e uma cidade esportiva, entre outros projetos que prescindiriam maior intervenção do aparato coercitivo do Estado, encareceriam o custo de vida local e forçariam os ali instalados para um novo e ainda pior lugar. Pois mexeram com a claque errada. O movimento contra o projeto foi tão grande que o St. Pauli virou fenômeno kult.

O que seguiu a vitória urbanística e política das torcidas do St. Pauli foi a simpatia do país e da Europa. O pequeno estádio Millentorn, que até hoje conta com placares manuais para orgulho dos Ultras e dos numerosos donos de passes para a temporada do clube, passou a encher todo jogo e a receber organizadas de todo o país. Acordos foram firmados com outras torcidas politizadas da Europa, com destaque para a do Celtic FC, da Escócia, e do Athletic Bilbao, do País Basco e da Espanha. Na maior organização.

E não foi só. Na Alemanha, organizações neonazistas existem até hoje e contam com uma representatividade até que grande. Esses cidadãos com problema de déficit de tolerância, como seria de se esperar, estenderam suas fileiras para as arquibancadas. O Borussia Dortmund é empurrado pela Borussenfront, cujo passatempo predileto deve ser blasfemar contra o ex-corinthiano Ewerthon. A Herthafrösche, do Hertha Berlin, deve estar agora bolando novos jeitos de repudiar o gaúcho Mineiro. E por aí vai: tolerar os intolerantes é uma encheção que faz parte da vida por lá. Mas não no FC St. Pauli. Ali, as organizadas assumiram um caráter abertamente antifascista e não permitem sua entrada no estádio ou sua influência direta ou indireta. O episódio decisivo foi uma tentativa de quebra-quebra por parte dos nazistas após uma vitória da seleção. Não deu outra: quebrados foram eles.

Após ter sido notado por sua postura politizada e por sua torcida totalmente fora dos padrões nacionais, hoje o St. Pauli conta mais de 11 milhões de torcedores só na Alemanha, disparada a maior da segundona e uma das maiores do país. Além disso tem a maior torcida feminina, participa de protestos maiores contra o racismo, o sexismo, o nazismo e a homofobia, tendo inclusive petrificado estas posições no estatuto do clube, não exibe propagandas de revistas degradantes da mulher no estádio e realiza amistosos contra times simpáticos, como os Soca Warriors de Trinidad e Tobago. Suas organizadas gritam em várias línguas diferentes, do alemão ao italiano, francês e inglês, denotando sua veia internacionalista. E talvez ainda mais interessantemente, o clube adquiriu fama mundial ao organizar em seu estádio o primeiro mundial para países não reconhecidos, contando com seleções do Tibete, da República Turca do Norte do Chipre, da Groenlândia, de Zanzibar, de Gibratar e com o próprio clube representando a “República de St. Pauli” – torneio vencido pelo Chipre do Norte nos pênaltis sobre Zanzibar, conjunto de ilhas na costa da Tanzânia.

O St. Pauli é uma inspiração para times do mundo todo de que é possível desimbecilizar o futebol. Por isso, meu caro, corinthiano aqui, são paulino lá.

* agradecimentos ao caro Daniel Schultz, cientista genial e figuraça-mor que deu a deixa dessa história.

sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Prepare-se: essa é a história do maior time de todos os tempos.


O quarto gol é de Andre Abegglen, num poderoso arremate de direita.

De cara fechada, o Führer passa a mão no bigode, enquanto o público francês aplaude de pé.

Foi no dia nove de junho de 1938, no Parc des Princes, Paris, sob os olhos atentos de uma Europa à beira da guerra, que a Suíça apresentou ao mundo o Schweizer Riegel (Ferrolho Suíço), glorioso alvorecer tático do futebol moderno.

Era a terceira edição da Copa do Mundo, levada à França pelo então presidente da Fifa, Jules Rimet. Na platéia, mesmo com favoritismo total para as seleções do eixo, o público vaiava as saudações fascistas. E em campo, sem a Celeste pela frente, com a Fúria destroçada pela guerra civil e os craques da promissoraa Áustria anexados à seleção de Hitler, apenas a Itália parecia fazer frente ao scratch nazista.

Mas o destino guardava, sim, uma de suas surpresas.

E ela tinha nome: Karl Rappan (foto), notório estrategista austríaco que dirigiu a Suíça nas copas de 38 e 54. Comandando uma seleção formada por um catado de artesões, comerciantes e professores, o “austríaco louco” (como é conhecido por alguns, entre eles eu) foi o primeiro treinador a implementar uma “defesa total”.

Na prática, The Swiss Locking Bolt não era uma formação tática em si, como 4-2-4 ou 4-4-2, por exemplo. Ao contrario do que muitos pensam, tratava-se na verdade de um sistema de jogo, com diversas variações possíveis, não necessariamente aplicadas a todo o momento.

O que chamava a atenção, independentemente da formação utilizada, era sua mobilidade. No Ferrolho, havia uma marcação sólida tanto no campo de defesa, no qual todos os jogadores voltavam para trás da linha da bola, como também no campo de ataque, pois quando o time ia à frente uma linha de três ou quatro zagueiros se posicionava quase no meio de campo, enquanto os atacantes pressionavam os zagueiros adversários.

Dentre as mais confiáveis ilustrações do esquema de Rappan, duas chamam a atenção: Uma delas (primeira) é uma armação com cinco defensores, antecedidos por um líbero ( na época ainda não era líbero, mas sim um cão de guarda) posicionado logo à frente do goleiro, com os outros quatro avançados formando uma segunda linha, responsável pelo primeiro combate.


A outra (segunda) é uma tentativa de trancar o adversário em seu próprio campo, com uma linha de quatro jogadores avançados, que marcam os zagueiros, dois meias contendo os volantes e os três defensores postados quase no meio campo, protegidos pelo libero.

Genial! Contra a Alemanha, a Suíça entrou em campo com Hubber; Lehmann, Minelli, Loertscher, Springer e Vernati; Bickel, Walaschek, Aeby, Amado e Abegglen. E apesar da vitória espetacular, não foram os campeões do mundo.

Sua inovação tática, entretanto, baseada numa concepção do jogo sem precedentes, formulou todas as bases teóricas para o Catenaccio, a filosofia defensivista mais famosa do futebol

Karl Rappan é referência obrigatória para todos os retranqueiros do mundo. E Le Verrou Suisse, executado com perfeição, é a grande contribuição dos suiços à humanidade (já que o queijo veio da Arcádia e, o chocolate, dos Astecas).

Final de jogo. Suíça 4 X 2 Alemanha. Destroçados, os alemães reconhecem a derrota.

Um a um, enxugam com suas camisas negras, de suástica bordada no peito, as lágrimas de uma eliminação precoce.

O Führer, impaciente, volta a passar a mão no bigode. Aquela era a primeira de três valiosas lições que o ditador aprenderia na vida: A primeira, nunca confiar num Mussolini. A segunda, não invadir os russos no inverno. E a terceira, a que mais lhe tirava o sono, jamais subestimar o Schweizer Riegel.

Extra! Extra! Ferrolho Suíço desbanca Alemanha nazista! Gritava o jornaleiro.

A Verdade Sobre Acosta


Beto Acota chega ao time mais importante do Brasil como um completo mistério. Uma promessa de 30 anos? Um centro-avante? Um meia-atacante? Um ponta de lança? Uma fraude?

Para quem se acostuma a ver grandes talentos surgirem imberbes a cada alguns meses (não existe na história do futebol nada semelhante à profusão reiterada de bons jogadores que fazem do Brasil, para mim indiscutivelmente, o país do futebol), um uruguaio desengonçado, feio pra burro, com idade para ser pai de companheiros de equipe, surgir como estrela do irritante Náutico (time que sofreu a mais vexatória derrota que já vi para o raçudo e sortudo Grêmio), é realmente uma situação estranha.

E, afinal, quem é Beto Acosta?

Alberto Martin Acosta Martinez nasceu, de acordo com a maioria das fontes, algumas pouquíssimo confiáveis, na cidade de Montevidéu. em 13 de janeiro de 1977. Aliás parabéns, é daqui a dois dias..

À boca pequena, diz-se tratar-se claramente de um dos casos de gato mais escandalosos da história do futebol porque qualquer torcedor do San Lorenzo sabe que, aos alegados 11 anos, Beto Acosta fez 34 gols em 64 partidas pelo time. Alguns torcedores do time afirmam que o atacante tinha de fato 11 anos e 1,84m e se discutia pelas ruas de Almagro se ele era melhor ou pior do que aquele baixote que surgira no Argentino Juniors.

O que ninguém sabia é que ele, com esperanças de jogar pela seleção argentina, escondeu sua nacionalidade uruguaia, previendo a estagnação em baixa de uma seleção respeitável, que calou milhões de brasileiros, principalmente cariocas, que raramente se calam, no Maracanazo. Acosta atravessara o Rio da Prata, passara o carnaval em Florianópolis e se tornara um argentino.

Um dia Acosta se encheu e resolveu que voltaria para o seu país, deixando um substituto, de carreira gloriosa em grandes times como o Boca, o Sporting, sem que ninguém percebesse. Enquanto isso, construiu uma sólida carreira dedicada ao futebol de nível médio, pois era jovem e queria curtir a efervescente Montevidéu. Mas acima de tudo queria estar com uma figura antológica, que ao ser citada muda o valor de todo esse relato.

Acosta é filho de um dos grandes volantes da história do Urugai, que nunca defendeu a seleção nacionl por se recusar a jogar profissionalmente. Dono de carrinhos irresponsavelmente eficientes, chutões que assustavam até o bandeirinha e uma catimba muito refinada, Alberto Acosta, o pai, defendeu durante toda sua vida o Corinthians de Montevidéu. O alvi-negro da zona leste da capital uruguaia é time com mais títulos na liga amadora uruguaia, disputada desde 1890 a 1915 e que tinha como mais notório freguês o Peñarol. São mais ou menos 25 vitórias de vantagem, como o Corinthians e o São Paulo. Veio o profissionalismo e o time mais popular do país permaneceu amador. Acosta Pai, el Rey de Pocitos, boêmio e marcador, que tem 2 passaportes (um argentino, outro uruguaio), é uma figura popular até hoje na antiga Província Cisplatina. Entre uma Norteña e outra, declarou sentir enorme orgulho do fato do filho não ser um tampinha e se transferir para um time do nível do Corinthians, no momento mais importante de sua história. “Beto ha nascido para esto, siempre ha sido el mejor jugador de sus equipos, dueño de caegoria espetacular”.

Alberto, impresssionantemente parecido com o filho, logo muda de assunto e procura oturas pessoas.

Sempre atento aos grandes mistérios do futebol (estilo as horas que precederam França x Brasil, em 2008), acompanhei as carreiras paralelas de Acosta. O impostor de passaporte argentino é um jogador eficiente. O verdadeiro Acosta é um jogador que não se afoba e faz bonito, para dentro do gol, o que é mais importante. Seu jeito desengonçado engana os defensores adversários , que acabam sempre batidos, observando o jogador concluir com seu estilo frio e sem firulas. Beto Acosta parece um jogador da escola escandinava, com seus passos largos e objetividade.

O novo dono da camisa 10 alvi-negra é o Ibrahimovic do Tatuapé.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

2048


O ano é 2048. O futebol mundial entra em crise. Desesperados por lucro e mais audiência, cartolas tomam uma medida drástica, durante o outono europeu, em Zurique.

Apoiados por grandes craques do passado, como Lionel Messi, Ronaldinho Gaúcho e Lulinha, aprovam uma lei que proíbe o carrinho no futebol!

Aplausos. De nada adianta o protesto ferronho de outros jogadores. A mídia aprova, o povo vai com ela.

O técnico da seleção italiana, Marco Materazzi, retira a Azurra das competições internacionais.

Ninguém liga.

No gramado da famosa Bombonera, em Buenos Aires, músicos famosos fazem concerto em memória de Diego Maradona. Mas a abertura fica por conta de Roberto Ayala, que dispara contra a Fifa.

Nada passa.

Na Plaza dels Heróis, em Assunción, Gamarra (a quem muitos atribuem os melhores carrinhos da história) discursa para centenas de zagueiros e militantes do mundo inteiro. E em Copacabana, no Rio de Janeiro, Junior Baiano organiza passeata que conta com o apoio de grandes defensores da época.

Em vão.

Em poucos meses, os mais conservadores são punidos, ao insistirem na praticada jogada. E nem mesmo o atentado terrorista à International Board surte algum efeito.

Na Itália, de longe o país mais afetado pela regra nova, a greve de zagueiros supera 180 dias sem nenhum acordo. E sem opções, meias são improvisados na quarta zaga e técnicos desesperados chegam a usar dois atacantes. A bota vira de cabeça para baixo!

Longos jejuns de títulos e jogos sem graça, cheios de gols, espantam o italiano dos estádios. Em poucos anos, o vôlei desbanca o Calcio como esporte numero um do país.

Claro, alguns paises se adaptam melhor, principalmente aqueles cheios de atacantes, como o Brasil.

Um século se passa após a lei contra o carrinho e pouco se sabe sobre como e quando ele surgiu no futebol. Os pesquisadores gastam seu tempo investigando a história de jogadas mais nobres, como a bicicleta e o drible da foca. Sem registros, perdido no tempo e na memória do povo, o carrinho vira história de bar, contada boca a boca.

Mas na várzea, último reduto dos praticantes do carrinho, o espírito dos zagueiros do passado ainda vive. Se atirando contra meias habilidosos, garotos deslizam sobre a terra e gritam nomes de grandes craques, como Lúcio, Naldo, Ricardo Rocha, Cléber...

Hipocondríacos F.C



Assim como outros tantos milhões de brasileiros, sou ligeiramente hipocondríaco.

Bastam alguns sintomas isolados e eu já me acho portador de alguma enfermidade, para a qual não dispenso um bom remédio. Afinal, antes de “Chicuíca”, que apareceu por causa de minhas recentes habilidades com a própria, a melhor reconstrução de meu apelido óbvio havia sido “Chipocondríaco”.

Então, como exercício de criatividade, ai vai meu time de craques, o Hipocondríacos F.C, montado por algum bilionário traficante internacional de remédios.

O esquema é o 4-4-2 básico, pois embora seja um bom estrategista, o técnico russo Anador Semyonov não gosta de dores de cabeça.

No gol, seguindo a confiável linhagem de goleiros genéricos espanhóis, o scratch conta com Esteban Albendazol. Garantia absoluta contra frangos, ou ao menos contra os vermes presentes no frango cru!

A primeira linha, formada por quatro defensores que nunca sobem ao ataque, traz segurança e imunidade ao time, oferecendo tranqüilidade e calma - mantendo em ordem a ansiedade dos fãs.

Na lateral direita, o franco-espanhol Ruben de Losartan não deixa espaços e ainda ajuda a prevenir os infartos e os problemas de hipertensão, doenças que um lateral ruim geralmente causa ao torcedor. Na outra lateral, o experiente ganês Eric Somallium tranqüiliza o time e controla a ansiedade das investidas pela faixa esquerda do campo.

A dupla de zaga é grande e imunologicamente forte. O beque central é Mikhail Zovirax, talento ucraniano, especialista em defesa contra todos os tipos de agressores rivais, ou melhor, virais! E na quarta zaga, bloqueando os receptores de time adversário, o dono da posição é o tcheco Cipramil Sobotka, dono de uma verdadeira bomba!

À frente da zaga, dois cães de guarda: como cabeça de área o francês Sebastian Rivotril distribui pancadas e bota os atacantes para dormir, com suas potentes cabeçadas à Zidane. E mais adiantado, tirando o sono de qualquer meia habilidoso, o suíço Dexamin Grojan é uma injeção de adrenalina para os ânimos da equipe.

Responsáveis pela criatividade, os meias de ligação também precisam marcar, porque hipocondríaco gosta de se prevenir. Pela meia direita, a criação fica por conta da visão de jogo apurada do galã italiano Paolo Gasarone, um verdadeiro colírio para os olhos das torcedoras. E na meia esquerda, sempre de cabeça erguida, o húngaro veterano Szabo Cialis é o responsável pela potência ofensiva do esquema

Os dois homens de frente se completam; um é centroavante paradão, uma referência. O outro é segundo atacante que cai para os lados, que busca o jogo.

Mais recuado, quem inferniza os zagueiros é Vladmir Engov, um atacante baladeiro, sempre bem acompanhado, que gosta de vodka.

E lá na frente, fixo e lento, mas muito perigoso, nosso matador: Mirko Prozac. Um craque!

Albendazol; Losartan, Somallium, Cipramil e Zovirax; Rivotril, Dexamin, Gasarone e Cialis; Engov e Prozac! Time escalado, torcida lotando a Paxil Arena, tudo pronto para o espetáculo. O jogo é um oferecimento da Laboratórios Pfizer. E o adversário, como não poderia deixar de ser, será o arqui-rival A.C Homeopáticos 1964.

Ah, e esqueci de dizer. O time joga sempre de luto. Com tarja preta, claro!

domingo, 6 de janeiro de 2008

Segundona, até que enfim!





Eu, como outros 30 milhões de brasileiros, sou corintiano.

Sofri demais em 2007. E, na vã tentativa de me desviar das provocações alheias, criei e popularizei a frase “quem vive de título é acionista e banco”. Afinal, nós corintianos vivemos da fé. A questão é: um mês inteiro de reflexão me fez enxergar que a história do Corinthians precisa de rebaixamento assim como um bom romance precisa de tragédia.

Para aqueles que me acham louco, sim eu sou, mas vou me explicar. Durante muito tempo invejei o fanatismo dos corintianos mais velhos, que permaneceram fanáticos mesmo após a grande estiagem de títulos anos que marcou um período negro de nossa história. Eu queria ter estado lá!


Queria ter cruzado a Via Dutra em segunda marcha, buzinando e tremulando minha bandeira junto de outros milhares de Fiéis. Ou então, cruzado o campo do Morumbi de joelhos, apenas por causa de um único título paulista. Dessa forma eu teria demonstrado minha fé através das provações - e não das conquistas, como fiz durante minha infância e adolescência.

Mas agora tudo mudou. As gerações mais novas têm por fim a chance de experimentar o que é ser verdadeiramente corintiano. E até que enfim!

Após um ano cheio de conspirações contra todos os Fiéis, que se estendiam dos juízes e tribunais e chegavam até a FIFA, eis que enfim eles conseguiram nos derrubar. E agora, quase que arrependidos, perceberam que isso pouco nos afeta. Cada vez mais estende-se por todo o Brasil um sentimento de admiração pela nossa fé. Inveja. Assim como devia ser nos tempos da Invasão (que só se escreve com letra maiúscula, sempre), o fenômeno sócio-antropológico-espiritual chamado Corinthians novamente impressiona a tudo e a todos.

E a torcida? A torcida só cresce. Mais do que antes. A vida é assim, em frente ao abismo, até os ateus se voltam à fé. E como nenhum corintiano tem bom juízo, uma pequena estiagem de títulos só nos fará mais fortes.

Afinal, como criou com sabedoria um dos corintianos doentes que eu conheço, Aqui tem um Bando de Louco!