sexta-feira, 28 de março de 2008

Pela última vez, RRRRRRRRonaaaaaldo

por Tiago Marconi

E Ronaldo conseguiu. De novo.

Onde estava Ronaldo em 2010?

Seu último drama começou em 2008, entre a vergonhosa copa de 2006 e aquela que fez a de 2006 parecer razoável, 2010. Na primeira delas, o fiasco do quadrado mágico, do time baladeiro, vaidoso e gordo de Parreira. Na segunda, o misterioso corte de Juan, Robinho e o goleirão Felipe, em cima da hora, por sugestão de Zico, e a fratura dupla de Ronaldinho Gaúcho (salvador de todos os jogos até a semi-final com gols tirados da cartola) causada por um carrinho motivador do técnico Dunga, que declararia no mesmo dia dever isso ao craque por um chapéu num Gre-Nal e querer provar que Copa do Mundo não se ganha com talento, mas com onze dungas em campo e um zangado no banco. 2010 doeu tanto que nem se discutiu muito em botecos nos últimos 4 anos. Apreciadores da seleção de 82 e defensores de de 94 concordavam logo, houve todo um resgate cultural das seleções de 90, 98 e até 2006. Frases como “Lazaroni era um estrategista”, “O que faltou à seleção foi um Taffarel” ou “Mazinho e Zinho é que era dupla de meias” (esta última dita por Fernando Calazans) pipocavam aqui e ali nas modorrentas, quentes e resignadas noites de domingo do país do futebol.

Agora em 2014 – não é preciso comentar a organização da Copa do Mundo do Brasil, comandada por Ricardo Teixeira desde a prisão federal de Cuiabá –, tudo estava estranho. Depois de um belo começo da seleção de Wanderley Luxemburgo (contratado depois de bem sucedida parceria com Teixeira no time do pavilhão 1), o time caiu de produção e se arrastou pelas oitavas, quartas e semis, mas alcançou a final depois da antológica disputa de pênaltis contra os favoritos Estados Unidos. A final dos sonhos, Brasil x Argentina. Aos 36 minutos de um 0 a 0 de tirar o fôlego, o promissor volante argentino Dieguito Simeone dá um carrinho criminoso em Pato, quebra-lhe a tíbia e o perônio e o juiz lhe dá amarelo.

Luxemburgo olha para o banco e, no meio daquela garotada, ocupando dois lugares, está o veterano camisa 9, com um penteado sem cabelos no topo da cabeça (não por vontade própria), tomando um milk shake e folheando uma Playboy (“Está vendo essa aqui? Já peguei!”). O
 treinador o chama. Ronaldo. O Fenômeno. Um dos maiores centro-avantes da história, que desde 2009 só fizera trinta e poucos gols. Ele, que disputava posição no improdutivo ataque do Flamengo. Ele, que fora convocado apenas porque Zico declarou que, se fosse o técnico, não o levaria. Com algum esforço, o craque se levanta. Ao ver sua rechonchuda silhueta saindo de trás da cobertura do banco de reservas, o Maracanã produz um urro de surpresa. Pato sai no carrinho-maca. Ronaldo entra no campo aos 38’. No camarote, o jovem Ronald, ao lado da namorada Sasha, abre um sorriso dentuço.

O jogo é o mais tenso que já se viu. Os argentinos catimbam, os brasileiros prendem a bola
excessivamente. Aos 41, Ronaldo se movimenta bem e chega até a linha lateral, onde bebe água. A bola, disputada na intermediária brasileira, cai por algum motivo em seus pés. Ele levanta a cabeça e, como um navio, parte. Cruza a linha intermediária com a bola dominada e vai ganhando velocidade, dribla todo e qualquer cabeludo de azul que aparece no caminho. Durante uns poucos segundos, ninguém no Maracanã respira, os narradores do mundo inteiro se calam, bilhões de olhos se arregalam. Ronaldo entra na área, o goleiro dá dois passos à frente. De pé esquerdo, o centro-avante golpeia violentamente a bola, que cruza em diagonal a
pequena área já consciente de seu destino: morrer na rede lateral, rente à trave. Gol do Brasil. Ronaldo cai, ninguém vê. O Maracanã sente uma alegria contida e multiplicada há 64 anos. Os argentinos não entendem nada. Quando o craque se levanta, o mundo nota abaixo de seu joelho esquerdo não haver mais nada. Parada, caída, gloriosa entre a marca do pênalti e a linha da pequena área, jaz a metade de baixo da perna esquerda de Ronaldo, de chuteira azul e meia branca, onde mais tarde seria enterrada.

Saída não se sabe de onde, uma multidão de belas mulheres parcamente vestidas, invade o gramado do Maior do Mundo, ergue Ronaldo nos ombros e desaparece pelo portão principal. O juiz encerra o jogo. Não se sabe o paradeiro de Ronaldo. Ninguém ousará perguntar pelo craque ou procurá-lo em seu merecido paraíso.

Enfim, o hexa.

Obrigado, Ronaldo.

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